A Comissão de Valores Mobiliários (“CVM”) divulgou, em 11 de setembro de 2024, o Edital de Consulta Pública SDM Nº 01/24 (“Edital”), apresentando proposta de norma para regulamentar, em caráter experimental, o regime de Facilitação do Acesso a Capital e de Incentivos a Listagens (“Fácil”).
A proposta busca disciplinar o artigo 294-A da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976 (“Lei das S.A.”), que atribuiu competência à CVM para regulamentar condições facilitadas para o acesso de companhias de menor porte (“CMP”) ao mercado de capitais, com a dispensa ou modulação de determinadas exigências.
Propostas de Condições Favoráveis às CMP
A CVM propõe conferir os seguintes principais benefícios às CMP:
(a) obtenção do registro de emissor na CVM de forma automática, após listagem em entidade administradora de mercado organizado;
(b) substituição do formulário de referência, do prospecto e da lâmina por um único formulário (denominado de Formulário Fácil), apresentado anualmente ou por ocasião de ofertas públicas;
(c) divulgação de informações contábeis em períodos semestrais (ISEM), em substituição às informações trimestrais (ITR) atualmente aplicável às companhias abertas. O conteúdo do ISEM e ITR é semelhante;
(d) realização de ofertas públicas de distribuição diretas com dispensa (1) de registro na CVM e (2) da obrigatoriedade de contratação de coordenador líder;
(e) realização de ofertas públicas de dívida para investidores profissionais com dispensa da obrigação (1) de contratação de coordenador líder e (2) de auditoria de demonstrações financeiras do emissor;
(f) obtenção do cancelamento de registro de companhia aberta classificada como CMP mediante oferta pública de aquisição de ações (OPA), nos termos da Resolução CVM nº 85/22, com (1) redução do quórum de sucesso da OPA para metade das ações em circulação, em substituição aos 2/3 das ações em circulação previstos na Resolução CVM nº 85/22; (2) dispensa de contratação de instituição financeira responsável pela garantia de liquidação da OPA, caso a entidade administradora assuma esse papel; e (3) possibilidade de o laudo de avaliação ser produzido por avaliadores que a entidade administradora venha a credenciar para essa finalidade;
(g) dispensa de entrega do informe sobre o Código Brasileiro de Governança Corporativa, ainda que não se enquadrem nas situações para as quais essa obrigação seja dispensada atualmente, nos termos da Resolução CVM nº 80/22;
(h) dispensa de observância das regras de votação a distância. Caso venha voluntariamente a disponibilizar a votação a distância a seus acionistas, a CMP deverá fazê-lo conforme as regras da Resolução CVM nº 81/22;
(i) dispensa do reporte mensal de titularidade e negociação de valores mobiliários por parte de administradores e membros do conselho fiscal, dentre outros, previsto na Resolução CVM nº 44/21;
(j) dispensa de adoção de política de divulgação de ato ou fato relevante prevista na Resolução CVM nº 44/21;
(k) dispensa de envio de sumário de decisões tomadas em assembleias previsto na Resolução CVM nº 80/22;
(l) redução de 1 ano para 6 meses do prazo que vincula o preço de uma OPA no presente ao preço de uma eventual OPA no futuro, de um eventual valor a ser recebido pelo exercício de direito de recesso no futuro e ao preço de subscrição de ações já realizada anteriormente;
(m) dispensa de distribuir dividendos obrigatórios;
(n) possibilidade de as entidades administradoras de mercado organizado atuarem como escrituradoras dos valores mobiliários de emissão da CMP listadas nos mercados por elas administrados; e
(o) as CMP podem realizar as publicações previstas na Lei das S.A. por meio de sistemas disponibilizados pela CVM, por força da Resolução CVM nº 166/22.
A CVM optou por manter a obrigação de instalação do conselho fiscal, independentemente da receita bruta da companhia.
As dispensas que a CMP pretenda usufruir deverão ser consistentes com uma relação de dispensas previamente divulgada. A CVM busca conferir com isso maior previsibilidade sobre o cronograma de prestação de informações do emissor.
Classificação como Companhia de Menor Porte (CMP)
A proposta estabelece os seguintes requisitos para a classificação de uma companhia como CMP:
(a) auferir receita bruta anual consolidada inferior a R$ 500 milhões, verificada com base nas demonstrações financeiras de encerramento do último exercício social aprovadas pela assembleia geral ordinária;
(b) estar listada no mercado organizado de valores mobiliários como CMP;
(c) encontrar-se em estágio operacional; e
(d) no caso de emissores já registrados, obter anuência prévia dos titulares de valores mobiliários em circulação.
A classificação como CMP não se confunde com as categorias A e B de emissores de valores mobiliários previstas na Resolução CVM nº 80/22. Uma sociedade anônima classificada como CMP, beneficiada pelas condições favoráveis do regime Fácil, sempre será segmentada em uma das categorias previstas na Resolução CVM nº 80/22.
A proposta de regulamentação do Fácil apenas propõe que companhias que façam jus a dispensas regulatórias associadas ao seu porte econômico sejam classificadas como CMP.
Registro Automático de Emissor de Valores Mobiliários
A CMP poderá ser registrada como emissor de valores mobiliários de forma automática na CVM após sua listagem em mercado organizado.
A análise do pedido de listagem pela entidade administradora do mercado organizado será pautada no conteúdo mínimo previsto no Anexo A da Minuta A do Edital, sem prejuízo de eventuais outros requisitos instituídos pela entidade administradora, previamente aprovados pela CVM.
Os deveres e as prerrogativas do emissor após seu registro na CVM serão essencialmente os mesmos – sem prejuízo das dispensas regulatórias disponíveis aos emissores classificados como CMP.
Os emissores classificados como CMP são obrigados, no entanto, a realizar uma oferta pública de distribuição de valores mobiliários em até 24 meses para manter essa classificação, quando obtida a classificação de CMP concomitantemente com o registro de emissor. O descumprimento dessa regra acarreta apenas a perda da classificação de CMP, mas não implica no cancelamento do registro.
Modalidades de Ofertas Públicas
As CMP podem realizar ofertas públicas de valores mobiliários através de quatro modalidades:
(a) Oferta Pública Tradicional: oferta pública realizada com observância integral da Resolução CVM nº 160/22, com a divulgação dos formulários de referência e de informações trimestrais (ITR) pelo emissor. Não há limite máximo para o valor das ofertas públicas realizadas sob essa modalidade;
(b) Ofertas Públicas de Ações ou Dívida para o Público em Geral: oferta pública realizada com observância parcial da Resolução CVM nº 160/22, com a possibilidade de (1) utilização do Formulário Fácil e (2) agentes credenciados pelas entidades administradoras dos mercados organizados em que os emissores sejam listados para atuar como coordenadores de ofertas públicas (geralmente referidos, neste segmento, como “consultores de listagem”). 1
Estas ofertas sujeitam-se ao limite máximo de R$ 300 milhões para o valor total de ofertas públicas realizadas nesta modalidade e naquelas previstas nos itens (c) e (d) abaixo, conjuntamente, dentro de cada período de 12 meses.
O objetivo da CVM com essa modalidade é conciliar a simplificação dos documentos da oferta com a possibilidade de o ofertante seguir um procedimento já testado e conhecido pelo mercado;
(c) Ofertas Públicas de Dívida para Investidores Profissionais por CMP Não Registradas: modalidade de oferta pública realizada com observância parcial da Resolução CVM nº 160/22, com dispensa (1) da obrigação de contratação de intermediário para realização da oferta,2 (2) da necessidade de registro da CMP como emissor de valores mobiliários na CVM e (3) da obrigação de auditoria das demonstrações financeiras do emissor, desde que os investidores adquirentes assinem termo atestando ciência e responsabilidade por essa última dispensa.3
Em linha com a Resolução CVM nº 160/22, (1) os valores mobiliários objetos destas ofertas somente podem ser revendidos para investidores profissionais e (2) as CMPs não registradas que realizarem esse tipo de oferta deverão prestar uma série de informações.
Estas ofertas sujeitam-se ao limite máximo conjunto de R$ 300 milhões descrito acima;
(d) Ofertas Diretas: nova modalidade de oferta pública, com dispensa de registro na CVM, disponível apenas para CMP e permite ofertas de ações e títulos de dívida sem restrição de público-alvo, porém sujeitas ao limite máximo conjunto de R$ 300 milhões descrito acima. Trataremos com mais detalhes sobre essa modalidade abaixo.
Ofertas Diretas
As ofertas diretas ocorrem em mercado organizado, sem a necessidade de participação de um coordenador líder, conectando diretamente investidores com o ofertante, sendo que os investidores serão representados por intermediários autorizados a atuar nesse mercado.
A oferta direta é objeto de prévia análise pela entidade administradora de mercado organizado em que o procedimento será realizado.
A negociação ocorrerá no âmbito de um procedimento especial que, como regra geral, permita a alocação de valores mobiliários entre investidores exclusivamente em função de parâmetros objetivos das ofertas de compra por eles transmitidas, como preço e quantidade.
O procedimento especial cumpre papel similar ao do processo de bookbuilding em ofertas públicas de distribuição de ações realizadas nos termos da Resolução CVM nº 160/22.
Segundo a CVM, o procedimento especial de negociação se assemelha aos leilões usualmente realizados em mercados organizados, nos quais são coletadas ofertas de compra transmitidas por intermediários em nome dos investidores, que determinarão a alocação dos valores mobiliários na oferta.
A proposta prevê a possibilidade de o ofertante obter junto a investidores profissionais um prévio compromisso irrevogável de envio de ofertas de compra no procedimento especial –como uma exceção ao princípio geral de que o procedimento especial deve ser o único ambiente em que compromissos de compra e venda podem ser assumidos. Essa proposta busca viabilizar a ancoragem da oferta e evitar incertezas sobre sua concretização.
As informações sobre as ofertas diretas deverão estar disponíveis com antecedência mínima de 10 dias para a realização do procedimento especial e deverão ser disponibilizadas em página mantida pela entidade administradora de mercado organizado, cujo conteúdo será de responsabilidade do ofertante.
A oferta direta é dispensada de registro na CVM, a qual poderá, entretanto, supervisioná-las.
Caráter Experimental
O regime proposto é em caráter experimental de modo que a CVM avaliará os resultados efetivos das inovações proposta para determinar a manutenção, alteração ou revogação do regime.
A CVM prorrogou o prazo para recebimento de sugestões e comentários, que se encerra dia 18 de dezembro de 2024.
- Esse credenciamento não dispensa a necessidade de registro do coordenador junto à CVM, nos termos da Resolução CVM 161/22. ↩︎
- A permissão concedida pela CVM é para que o ofertante possa interagir diretamente com os potenciais investidores. ↩︎
- A CVM vedou a possibilidade de regimes próprios de previdência social, entidades fechadas de previdência complementar e fundos e outros veículos de investimento, cujos recursos provenham predominantemente dos agentes indicados anteriormente, participarem de ofertas públicas de CMP não registradas. ↩︎