CVM divulga consulta pública com proposta de modernização da norma sobre os fundos de investimento em participações
A Comissão de Valores Mobiliários (“CVM”) divulgou o Edital da Consulta Pública SDM 03/2024 (“Edital”) com a proposta de norma substitutiva do atual Anexo Normativo IV da Resolução CVM nº 175/22, que dispõe sobre as regras específicas dos fundos de investimento em participações (“FIP”).
Confira nossa publicação sobre “Fundos de Investimento, Classes de Cotas e Subclasses de Cotas na Resolução CVM 175/22: entenda as diferenças entre esses conceitos a partir do marco regulatório dos fundos de investimento”.
A proposta busca modernizar e democratizar o acesso ao mercado de capitais, especialmente em razão do potencial dos FIPs em mobilizar recursos para sociedades empresárias de pequeno porte e companhias de menor porte, inclusive aquelas que se enquadram nos critérios propostos para o regime Fácil.
Confira nossa publicação sobre “Regime Fácil: Abertura de Capital por Companhias de Menor Porte: entenda como o regime Fácil poderá facilitar a abertura de capital por companhias de menor porte”.
Principais Propostas
A CVM apresentou, dentre outras, as seguintes propostas de modernização:
(a) acesso do público em geral (varejo) aos FIPs, desde que observados os seguintes requisitos:
(1) vedação às chamadas de capital aos cotistas;1
(2) obrigatoriedade de limitar a responsabilidade dos cotistas ao capital subscrito;
(3) vedação de exposição da classe a risco de capital;2
(4) se houver, o cálculo e cobrança da taxa de performance deve observar a disciplina conferida à matéria no Anexo Normativo I, que disciplina os fundos de investimento financeiros (FIF);
(5) a taxa de performance ou qualquer outra remuneração baseada em rentabilidade somente pode ser recebida pelo prestador de serviços quando da distribuição de rendimentos aos cotistas, e calculada sobre a parcela distribuída;
(6) as cotas devem ser admitidas à negociação em mercado organizado e devem contar com serviços de formador de mercado;
(7) fica vedada a aquisição de ativos de sociedades em recuperação, no caso de o investimento ocorrer no âmbito de recuperação de sociedade investida;
(8) o regulamento deve estabelecer limites de exposição para a carteira de ativos, por modalidade de ativo elegível;
(9) limite máximo de 33% do patrimônio líquido para investimento em ativos no exterior; e
(10) vedação à realização de operações com conflito de interesses. Essa vedação, no entanto, não é absoluta e pode ser afastada pela assembleia de cotistas, conforme o Edital;
A flexibilização do público-alvo de FIPs encontra-se em linha com a ampliação do acesso do público em geral a ativos alternativos.
O mesmo movimento inclusive já foi feito para os fundos de investimento em direito creditório (FIDC), que podem ser acessados pelo varejo desde que, igualmente, observado determinados requisitos.
Vale destacar que, conforme a Agenda Regulatória CVM 2025, será objeto de consulta pública a ampliação de produtos de varejo e revisão do conceito de investidor qualificado;
(b) classe de cotas dos FIPs poderão ficar expostas a risco de capital: propõe-se permitir a alavancagem financeira por FIPs, exceto para aqueles destinados ao público em geral. O regulamento deve dispor sobre a possibilidade de a classe ficar exposta a risco de capital e, caso seja autorizado, indicar o limite de exposição máxima;
(c) eliminação da obrigatoriedade da classe de cotas exercer “efetiva influência” na definição da estratégia e gestão das sociedades investidas: mantem-se o requisito de participação do FIP no “processo decisório” das sociedades investidas, mas propõe-se eliminar a obrigatoriedade de a classe de cotas exercer efetiva influência na definição da estratégia e gestão das sociedades investidas.
O regulamento passará a disciplinar a forma de participação em seu processo decisório, o que pode ou não envolver a efetiva participação na gestão das investidas.
Propõe-se ainda que o requisito de participação do FIP no processo decisório das sociedades investidas seja dispensado quando:
(1) a sociedade investida for uma sociedade empresária de pequeno porte;3
(2) o investimento represente parcela inferior a 15% do capital social da sociedade investida; e
(3) a classe se encontre em processo de desinvestimento da sociedade e: (i) o valor contábil do investimento tenha sido reduzido a zero; (ii) a oferta pública de distribuição inicial de ações da companhia investida tenha sido encerrada, ainda que a classe de cotas mantenha participação acionária; ou (iii) tenha sido alienado o controle da sociedade investida, ainda que a classe de cotas mantenha participação acionária.
Vale destacar que a flexibilização da obrigatoriedade da classe de cotas exercer efetiva influência na definição da estratégia e gestão das sociedades investidas não se aplica aos FIPs de infraestrutura e PD&I em razão da previsão na Lei nº 11.478/07;
(d) eliminação das seguintes 3 práticas de governança atualmente exigidas das sociedades investidas por FIPs: (1) estabelecimento de um mandato unificado de até 2 anos para todo o Conselho de Administração; (2) disponibilização de acordos de acionistas e programas de aquisição de ações ou de outros títulos ou valores mobiliários de emissão da companhia e divulgação de informações sobre contratos com partes relacionadas na forma exigida para os emissores registrados na categoria A de emissores da CVM; e (3) no caso de abertura de capital, a aderir a segmento especial de bolsa de valores ou mercado de balcão organizado que assegure determinadas práticas de governança corporativa;
(e) ativos elegíveis:
(1) valores mobiliários de emissão de sociedades de pequeno porte por meio de plataforma eletrônica de investimento participativo (crowdfunding de investimento): a minuta prevê a que o gestor certifique-se de que (i) as informações disponíveis sobre a emissão de valores mobiliários permitem uma decisão refletida de investimento; e (ii) as informações a serem periodicamente fornecidas pelo emissor à plataforma eletrônica são suficientes e em uma periodicidade adequada para que o investimento possa ser acompanhado e avaliado a valor justo;
(2) derivativos: a minuta prevê a possibilidade de aquisição de instrumentos de derivativos por FIPs, sem as restrições previstas na regulamentação atual;
(3) maior clareza sobre a possibilidade de investimento em ativos de liquidez para gestão de caixa; e
(4) ativos no exterior: possibilidade de fundos destinados a investidores qualificados investirem até a totalidade de seu patrimônio em ativos no exterior;
(f) criação de formulário padronizado para prestação de informações periódicas sobre a carteira de ativos: propõe-se que o gestor passe a fornecer aos cotistas, conforme conteúdo e periodicidade previstos no regulamento, atualizações periódicas de estudos e análises que permitam o acompanhamento dos investimentos realizados;
(g) fim da classificação dos FIP em tipos (multiestratégia, capital semente, PD&I, empresas emergentes e infraestrutura), impondo-se apenas a utilização de sufixos nos casos dos fundos dedicados à inovação (Lei nº 8.248/91) e à infraestrutura e PD&I (Lei nº 11.478/07);
(h) valor justo: na integralização de cotas com ativos, o valor justo poderá ser calculado pelo gestor, que para tanto deve possuir metodologia de avaliação consistente e passível de verificação.
Trata-se de uma nova possibilidade, cujo propósito é trazer maior eficiência a determinadas operações. A aprovação do valor pela assembleia de cotistas não seria mais requerida pela regulamentação, seja o valor justo calculado pelo gestor ou por empresa especializada independente;
(i) instituição da “Oferta Pública de Aquisição de Cotas” (OPAC), as quais deverão obedecer às regras gerais para a realização de OPAC da entidade de mercado em que as cotas forem admitidas;
(j) atualização dos atuais limites de faturamento de empresas “Capital Semente” e “Empresas Emergentes”: adota-se os mesmos limites utilizados na definição de “sociedades de pequeno porte” na norma de crowdfunding de investimentos e de “companhias de menor porte” na minuta da norma do regime Fácil; e
(k) flexibilizações relacionadas à atuação do gestor: especialmente, desnecessidade de aprovações da assembleia de cotistas para questões relacionadas a uso e preço de ativos, bem como com relação a operações potencialmente conflitadas.
Conclusão
A proposta de permitir o acesso do público em geral aos FIPs, ainda que com salvaguardas específicas, representa uma mudança paradigmática no mercado de capitais brasileiro.
Aliada à flexibilização das regras de governança e à possibilidade de exposição ao risco de capital, essa modernização tem potencial para dinamizar o mercado de private equity e venture capital, especialmente para empresas de menor porte.
As alterações propostas alinham-se às tendências internacionais de democratização do acesso a investimentos alternativos, ao mesmo tempo em que mantêm mecanismos de proteção aos investidores.
O sucesso dessa iniciativa dependerá da capacidade do mercado em desenvolver produtos adequados ao varejo e da efetividade dos controles propostos na norma.
Comentários podem ser encaminhados para o e-mail conpublicaSDM0324@cvm.gov.br, até 28 de março de 2025.
- Chamada de capital é o mecanismo por meio do qual gestores solicitam que investidores aportem recursos previamente comprometidos. ↩︎
- Risco de capital refere-se ao risco de o patrimônio líquido da classe de cotas ficar negativo em decorrência de aplicações de sua carteira de ativos. ↩︎
- A proposta de norma define sociedade empresária de pequeno porte como a sociedade com receita bruta anual de até R$ 40 milhões, apurada no exercício social encerrado em ano anterior ao primeiro aporte da classe, sem que tenha apresentado receita superior a esse limite nos últimos 3 exercícios sociais. ↩︎
Nenhum conteúdo aqui exposto deve ser interpretado como aconselhamento jurídico ou opinião legal. Para obter orientações legais, consulte nossos advogados.